terça-feira, maio 23, 2006

Capitulo IV

Capítulo IV

Quando o despertador tocou, não poderia adivinhar o que estava para acontecer.
A Susete, bate à porta do quarto, informando que o Zé tinha passado mal a noite. Ele não iria continuar... Era a primeira desistência.
Entretanto a Dora, decidiu que também não iria, e a Susete, que entrou nesta aventura um pouco de chofre, tomou a mesma decisão de não prosseguir.
Foi um golpe um pouco difícil de aguentar, uma coisa é irmos três de início, outra é irmos devido a desistências. Queríamos sair e chegar seis...
Porém pouca havia a fazer e a viagem tinha de prosseguir para nós.
A partida atrasou-se um pouco devido às despedidas.
Fomos carimbar o “passaporte” e rumámos com vontade de chegar a Tui, pois era lá que havia albergue de peregrino.
E foi mesmo só com a vontade, pois esta etapa, apesar de fácil, foi muito agreste para as “viaturas”.
O João, teve à partida o mesmo problema que eu quanto ao suporte da bicicleta. Apesar da Comensal dele não ter suspensão atrás, não era possível montar um suporte tradicional.
Teve que comprar daqueles que se prendem ao espigão do selim.
Então, com umas famosas barras de alumínio, presas ao suporte e à bicicleta, lá arranjou forma dos alforges dele não baterem na roda. Acontece que “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”, as barras de alumínio começaram a entortar e os alforges começaram a “dar” na roda.
Pouco depois de entrarmos na Rua do Caminheiros, onde vimos pela primeira vez a indicação “oficial” do Caminho, tivemos a primeira paragem.
Solucionado o problema, continuámos rumo ao destino inicialmente programado: Tui.
E foi aqui que vimos os primeiros peregrinos, para além de nós, claro. Um grupo de dois espanhóis e uma espanhola, que nos envergonharam. Primeiro, nas subidas! Nós bem que pedalávamos com todas as nossas forças, mas a nossa velocidade, era tanta que eles, a pé continuavam à nossa frente! Nas descidas as coisas eram diferente, mesmo assim, conseguiram apanhar-nos três vezes! E houve uma outra vez que, ao longe, nos acenaram divertidos! Portanto quatro vezes “humilhados” por espanhóis... a pé!
O trilho era fantástico! Cheio de surpresas, como um ribeiro que atravessámos com todo o cuidado por cima de uma rocha (dois dias depois tínhamos, de certeza, passado por dentro dele...).
Almoçamos num restaurante, penso que em Aborim.
À porta 3 senhores bem “acompanhados” pelo bom do tinto, fizeram guarda às nossas montadas: “Aqui ninguém mexe”, asseguraram-nos!
Um “bifinho” de vaca que ocupava todo o prato, com arroz e salada foi o nosso repasto. Apesar de ser uma comida simples, aquela carne tinha um sabor especial. Não sei se era da fome, mas há muito tempo que não comia uma carne tão saborosa e tenra!
O café foi tomado na esplanada do restaurante, onde a brisa fresca enganava quanto ao calor que se fazia sentir.
Depois de estudar o roteiro, lá nos fizemos, então, ao Caminho. Ainda tínhamos 40 e muitos quilómetros para chegar a Tui.
Acontece que o Caminho é que dita as suas regras. Já diz a velha máxima: “O peregrino caminha o quanto pode, não o quanto quer...” (penso que é mais ou menos isto).
Então, íamos nós todos contentes quando, de repente, uma barra de alumínio do suporte do João, se solta, entra no desviador, retorcendo-se toda, passando entre a corrente, atravessando os raios, partindo o desviador... Uma confusão. Resultado: A bicicleta não andava! Pegando nas ferramentas, lá conseguimos desmontar o desviador de modo a que a barra de alumínio se soltasse da roda. A tarefa foi árdua mas lá conseguimos. O problema foi, quando reparámos onde estávamos! No meio do nada, entre lugar nenhum e cascos de rolha!
A solução passou por eu vir na frente á procura de uma oficina.
Ainda vi uma povoação com quatro ou cinco casas, mas cedo desisti de procurar por lá.
Continuei, pelo meio do trilho, e vi um senhor que trabalhava a terra. O diálogo foi surreal:
-Bom dia! – disse – Olhe, onde posso encontrar uma oficina de bicicletas?
-Ãh??
-Uma oficina de bicicletas...
-Não vi passar ninguém...
-Não... Há por aqui alguma oficina de bicicletas?
-Desde que aqui estou não passou ninguém...
O que haveria eu de fazer perante tão elucidativa resposta? Como jovem bem-educado atrevi-me a dizer:
-OK, Muito obrigado pela ajuda!
E lá parti, sem saber para onde ir...
Uns bons metros mais á frente, encontrei, na frescura da sombra de um telheiro, umas pessoas que me indicaram uma oficina! Segue em frente, vira acolá, depois acoli, apanha a nacional e uns quinhentos metros á frente vê a oficina...
Afinal, nem tudo estava perdido.
Apesar da boa vontade, e das excelentes indicações que as pessoas me deram, perdi-me! Para variar...
Já tinha pedalado uns bons dois quilómetros, sempre a descer, e nada de sinais da tal oficina. Lá me aventurei a entrar num café para perguntar. “Ah e tal tem de subir a nacional fica a cerca de um quilómetro...”
Um quilómetro? Pensei. Então passei por ela e não a vi...
Lá me fiz à estrada. Pedalei, pedalei, fiz o tal quilómetro, mais um e nada... Estava difícil!
Como quem tem boca vai a Roma, lá perguntei a um transeunte pela bendita oficina: “Segue por aqui a cima mais ou menos dois quilómetros”. Bem, das duas uma, ou o meu conta-quilómetros estava avariado, ou as distâncias na zona de Ponte de Lima são diferentes das de Aveiro. Pronto, lá continuei a minha marcha. Desta vez, a pessoa que me deu as indicações tinha o metro afinado! Lá entrei no Stand Alberto e perguntei se havia a possibilidade de arranjar o desviador do João. Disse que sim! Depois de tanta confusão as coisas estavam a começar a correr bem. Ou não! Quando liguei ao João, eles tinham seguindo a indicações de uma prestável senhora, fazendo um desvio, que os levou a andarem muito mais! Teria sido muito mais fácil seguirem o Caminho. Mas quem não sabe é como quem não vê...
Ainda esperei um pouco eles até que decidi ir ao seu encontro. Apesar de tudo a boa disposição imperava.
O mecânico foi impecável!
Lá arranjou uma solução fantástica para a fixação das barras de alumínio. Relativamente ao desviador o pior dos cenários confirmou-se: Tinha de levar um novo!
Depois de tudo tratado, resolvemos ficar logo por Ponte de Lima pois tínhamos perdido umas horas com a brincadeira.
A entrada pela Avenida dos Plátanos foi um momento inesquecível. É, nestas alturas, que dificilmente duvidamos da existência de Deus, tal a beleza da paisagem!
O sol preparava-se para se deitar, reflectindo-se no Lima! Os pássaros esvoaçavam alegremente. Um cenário digno de um poema!
Um poema de amor!
Até porque as personagens lá estavam... Deitadas num banco do jardim experimentado, com certeza, algumas ilustrações de um livro conhecido!
Para não interromper nada, se bem que eles pouco se importaram com a nossa passagem, prosseguimos até à famosa ponte que deu nome à localidade.
Os momentos da chegada são sempre especiais. Um turbilhão de sentimentos invade-nos o peito! A alegria de termos conseguido, o recordar das paisagens por onde passámos, o pensar que amanhã vai haver mais...
Faz lembrar uma panela de pressão! A chegada é o momento de tirar a tampa libertando o vapor...
Depois de “libertar algum vapor”, era altura de procurar dormida.
Não foi preciso andar muito, pois, perto da ponte, encontrámos uma pensão simpática.
Tínhamos cumprido meia etapa.
Depois daquele banho retemperador e da massagem com Picalm, estávamos finos!
Entretanto o telemóvel toca para uma surpresa! O Zé, a Dora e a Susete, tinham vindo ao nosso encontro!
Quando os deixámos eles procuraram chegar a Aveiro. Trocaram as duas rodas por quatro e meteram-se à estrada!
Jantámos os seis no M. Padeiro.
Eram cerca das 22.30h e há algum tempo que éramos os únicos no restaurante.
O cansaço começava a dar sinais evidentes de que tínhamos de ir dormir.
Regressámos á pensão S. João, não sem antes sentar ao lado da figura em bronze do Conde D’Aurora, personagem que ninguém conhecia.
Quando por lá passarem podem dar uma de cultura e dirão:
O conde D’Aurora? Não conhecem? Foi um escritor português! Título nobiliárquico de José de Sá Pereira Coutinho, 2º conde de Aurora e que nasceu em Ponte de Lima, a 14 de Abril de 1896. Fundou em 1921 o jornal Pregão Real e licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Exerce, no Porto, as funções de juiz do Tribunal de Trabalho. A sua obra, repartida em vários géneros, é uma devotada defesa do tradicionalismo cultural, empreendida nos moldes estéticos e formais do realismo literário. Roteirista e memorialista de indiscutível mérito, escreveu uma insinuante monografia histórica da Ribeira-Lima e um curioso itinerário romântico do Porto. Como ficcionista, a publicação de O Pinto, em 1935, onde são desfibradas as particularidades do caciqueirismo político, deu-lhe um lugar de pioneiro na reapreensão contemporânea do magistério realista. Representante esclarecido de uma geração amadurecida nos tempos da 1ª República, é também uma figura indissociável do mais entranhado nacionalismo. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Conde_d'Aurora)

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