A noticia apareceu sobre a forma de telefonema...
A constipação tinha-me deixado preguiçoso e molenga e aproveitei para descansar...
Era de manhã...
O sol há muito tinha acordado... Ao longe um tiriri, que eu não discortinava, ia-me trazendo à realidade...
Procurava o tal tiriri, mas não o encontrava... de facto, é dificil encontrar um telefone verdadeiro num sonho...
Acordei...
Finalmente, percebi donde vinha o tal tiriri, e porque o não o encontrava! Vinha do escritório...
Atendi...
"Amor, tenho uma noticia triste..."
Percebi logo que algo de errado se passava, e o meu pensamento voou para perto da realidade.
"... tenho uma noticia triste... o teu pai ligou-me... tem calma... a tua avó morreu...!"
A minha avó morreu...!
Como?
"Estava sentada, ontem à noite, e caiu inanimada... Não foi possível fazer nada..."
Foi assim...
A minha bó Céu, foi ter com o meu bô Tónho!
... Ao Céu! Ao sítio onde os filhos de Deus se encontram....
O filme das nossas vidas correu rápido à minha frente...
Um filme da frente para trás... Compreensivel... Primeiro, aquilo mais fresco...
A última vez que estive com ela no lar e lhe pedi a receita do seu leite creme... Hum, que delicia era! Nunca mais comi leite creme igual... e isto não é um daqueles chavões que se costuma dizer. De verdade! Nunca mais comi um leite creme, tão bom como o da minha bó Céu!
"Avó, diz-me como fazias o teu leite creme."
"Então, pões o leite a ferver com o açucar, a farinha, juntas as gemas..."
E o meu pai lá ia ajudando nas quantidades... Quantas colheres de farinha? Quantos ovos?
Mas mesmo assim dito pela artista, o leite creme da avó, feito como ela dizia nunca será igual. Falta a lareira, as galinhas e, sobretudo, a minha avó!
A minha avó Céu, nestes últimos anos, já não "andava bem".
A partida, há 15 anos, do meu avô, abalou-a...
A senilidade, própria de uma senhora na casa dos 80, transformou-a numa pequena "troca-tintas" que por vezes, roçava as fronteiras do... indelicado...
Pouco depois do meu avô ter ido para o Céu, a minha avó veio viver para o nosso pequeno T2.
Foi pela Páscoa.
Quinta feira Santa.
Ela tinha ido com a minha mãe às cerimónias da tarde.
"Vai andando Mena, e ainda fico por cá...". Da Igreja do Carmo a minha casa, distam cinco espaços do ponteiro grande de um relógio.
Pelo sim pelo não, eu e a minha irmã, fomo buscá-la. Lá estava... Do lado esquerdo, sentada, num banco...
- Vó, vamos? São quase horas de jantar...
- Mais um bocadinho...
- Ok, enquanto espero vou ali confessar-me...
A conversa com o frei, foi, sem querer, demorada.
Noc, noc...
- Mano, demoras, a vó quer ir embora.
- Vou já...
Chegados ao sitio onde a minha irmã tinha deixado a avó, ela não estava.
- Já foi andando, vamos para casa.
- A avó já chegou? Ainda não, mas ela saiu antes de nós... vamos procurá-la...
Corremos a cidade...
S. Pedro, lembrou-se também de fazer das suas...
Corremos a cidade... eu de bicicleta, o meu pai de carro, tal como o Nuno e o Pedro (a quem entretanto pedi ajuda)... Nada.
Desaparecida!
- Vamos à Polícia
- Não vamos
- Aguardamos mais um pouco...
- Vamos!
A minha bicicleta voou...!
Acho que nunca pedalei com tanta velocidade, nem quando fui perseguido por aqueles 5 cães...!
Cheguei à PSP, muito antes daqueles que foram de carro!
- Vim participar o desaparecimento da minha avó...
- Onde foi, que idade tem?
Os formalismos estavam a ser cumpridos, quando ouço o carro do meu pai a chegar. A Avó tinha aparecido!
Ao pé das bombas da Repsol, junto à Universidade.
Num rebate de lucidez, entrou nas bombas e pediu ajuda!
Lembro-me perfeitamente da sua cara de menina traquina, que acabou de fazer uma asneira!
Lembro-me da sua cara assustada...
Foi um susto para todos... foram cerca de 3 horas de "à procura da avó desaparecida..."
A minha avó era uma mulher do campo, da terra...
Do cheiro a quintal, a lareira, às rosas perto da janela da cozinha, às laranjeiras ao pé do ribeiro...
Lembro-me de a ver, de manhã, no "telheiro", a pentear o seu longo cabelo louro acizentado que apanhava numa trança e enrolava no cimo da cabeça, e o quanto eu admirava o seu cuidado, frente ao pequeno espelho, baço e velho que estava preso num lavatório antigo...
"Ah desgraçado que já foste ao galinheiro espantar as galinhas do choco!"
"Deixa os gatos em paz...!!"
"Cuidado com o galo! Ele é mau!"
"Quem tirar a palhinha mais pequena paga a rodada no café...."
Ontem, na missa, ao seu lado, pensava nisto tudo...
A Avó foi para o Céu ter com o Avô...
E assim, enquanto eu me lembrar das coisas que ela foi, fez e significou para mim, a minha avó viverá, para sempre! No meu coração, no meu pensamento.
Em mim, e nos filhos que terei e a quem irei passar os seus genes!
Tão cedo, não me fará o tal leite creme, mas sempre poderei dizer: Não há leite creme como o da minha vó Céu...
Até um (bom) dia...