Sem sabermos este era o grande dia!
Acordámos cedo, e era se queríamos ter pequeno-almoço “de borla” na pensão.
Com as barrigas compostinhas, subimos ao primeiro andar para pegar nas gingas. Sim, também aqui tivemos de carregar com as bicicletas às costas…
Quando cheguei à rua vi que tinha o pneu da frente da Decathlon em baixo. Lá se iam as nossas esperanças de abalar cedo. Desmontámos a roda, e bem que procurámos mas não vimos nada.
A solução estava á vista: encher o pneu e partir! Tínhamos remendos e câmaras-de-ar para o que desse e viesse.
Carimbámos as nossas Credenciais do Peregrino, e lá partimos pela ponte do Lima.
Para recuperar o tempo perdido no dia anterior, tínhamos apontado chegar, nesse dia a Redondela, a 67 quilómetros.
O Caminho, apesar de lindíssimo, apresentou pontos complicados. Logo á saída de Ponte de Lima, sentimos dificuldades em prosseguir com as bicicletas, primeiro porque era impossível seguir montado e depois porque pouco espaço havia para as levarmos ao nosso lado.
Houve um sítio em especial que me marcou, quer pela beleza, quer “pela emoção, o perigo de viver…”: Dois pilares em ferro atravessavam um riacho cristalino! Ainda há lugares no mundo onde é possível não ver poluição! A emoção foi passar nesse pilares com as bicicletas, não sendo difícil tive um pouco de receio, é que as bicicletas ainda eram caras...
Foi neste dia que comecei a sentir cansaço. Principalmente nas subidas. Se até aí ainda fazia o esforço de prosseguir montado, depois deixei-me disso, seguindo os conselhos do meu sogro: “É preferível descer da bicicleta do que estar a esforçar”.
À saída de um trilho encontrámos o outro grupo, que nos deram miminhos: Iogurte, chocolatinhos, e muita força.
Ainda pensámos almoçar juntos mas o que nos apareceu pela frente foi contra tudo aquilo que esperava.
Uns amigos meus já tinham feito o Caminho a pé, e de facto eles falaram-me que a serra da Labruja era complicada, no guia que tirámos da Net também dizia qualquer coisa como: “São estes dois quilómetros da vertente da Labruja os mais extenuantes de todo o Caminho, justificando uma alternativa para os ciclistas que não queiram transportar a bicicleta às costas”, mas eu não liguei. Também era nosso propósito fazer TODO o caminho.
A subida da Labruja foi extenuante: Sempre com as bicicletas aos ombros ou de rojo, sempre com os músculos em tensão, não havia muitas hipóteses de descanso. Qualquer relaxamento da nossa parte, significava o recuo da bicicleta alguns centímetros, centímetros esses que tanto tinham custado a ganhar à serra!
Foram muitas horas naquele sufoco! Os nossos rostos, aos poucos, reflectiam a nossa alma: quando é que isto acaba?
Para complicar ainda mais, tinha-me acabado aquele milagre chamado Isostar. Até ao início desta aventura, o Isostar era, para mim, uma bebida porreira. Fazia-me sentir um grande atleta, daqueles da televisão. Mas no Caminho, senti que era muito mais do que isso. É, de facto, uma bebida energética e revigorante! Com ela sente-se menos sede e cansaço. A Cris, sempre céptica em relação as estas coisas, rendeu-se aos seus encantos. A água, só por si, não recolocava tudo aquilo que íamos perdendo debaixo daquele sol abrasador!
Mas como estava a contar, a subida ia-nos roubando as nossas expressões. Aos poucos fomo-nos fechando em nós mesmos. Senti que, muitas vezes, apesar de juntos, caminhávamos sós. Cada um consigo… O Caminho dava sinais de si!
Chegados à Cruz dos Franceses, decidimos dar, desta vez, ouvidos ao nosso guia e descansámos durante um bom bocado.
Umas laranjas, umas maçãs, umas barras energéticas e uns chocolates foram devorados como se tivessem culpa das dificuldades do Caminho. Mas souberam bem, muito bem, mesmo!
Mais frescos, se é que se pode dizer assim, preparávamo-nos para continuar, quando algumas nuvens uniram as suas lágrimas às que por dentro, mesmo sem querer, ia soltando. O tempo tinha virado!
Não valia a pena ficar por ali e lá continuámos a escalada.
De repente, uma estrada de terra batida! Tínhamos chegado ao fim!
Mas não, uns vinte metros depois, numa árvore, a famosa seta amarela sorria, maliciosa, para nós. Havia que continuar a subir…
De ganas, lá trepei pela serra a cima, deixando a partir de um certo ponto a Cris e o João para trás!
Ao longo do percurso, aprendemos que, quando aparecem estes rasgos de força, há que os aproveitar, e foi o que fiz.
A serra não me iria (a)bater!
Numa curva da subida, avisto um campo de pastagem com uma casa ou curral. Estava perto do fim! E assim era! Uns dez metros á frente, uma estrada de terra batida interrompia a subida agreste da serra.
Se calhar a mesma estrada que, muito antes, tínhamos visto e que confundimos com o fim da subida da Labruja!
Chegado lá cima, ainda esperei um bocado pelos meus companheiros de viagem. Quando os avistei, corri logo para ajudar a Cris. Que carinha a dela! Que mal a serra nos fez!
A expressão do João também era fechada.
Quando nos apercebemos que tínhamos chegado ao fim, uma explosão de alegria rompeu em nós!
Montámos as bicicletas, coisa que já não fazíamos há muito tempo, e lá partimos, deixando para trás muitas gotas de suor…
Eram cerca das duas e meia quando encontrámos uma loja. Daquelas tradicionais, de aldeia, onde se vendia de tudo. Entrámos e pedimos para almoçar. “Só temos três pães” informou-nos a dona. Não fazia mal, o que nós queríamos era comer… Estávamos a ficar famintos!
Os pães voaram num ápice! E a seguir os Bolicaos, os Chipicaos, os iogurtes (comidos com “enormes” colherzinhas de café), as Coca-Colas.
Estávamos perto de Valença e o nosso destino, Redondela, era apenas uma miragem.
Mais recompostos, subimos para as nossas montadas e partimos.
Muito perto de Valença há uma estrada romana que termina numa ponte que atravessa um ribeiro cristalino, transparente. O João passou-se com tanta beleza. Não fora o facto de estarmos extenuados e o tempo não estar a ajudar, tínhamos dado um mergulho!
Abalados física e psicologicamente, decidimos cortar caminho, seguindo a estrada nacional em detrimento do trilho.
Mas como um mal nunca vem só, o furo lento na roda da frente da minha Decathlon começou a avisar-me que afinal, de manhã, algo se passava.
A descida para Valença foi uma coisa “brutal”, como diria o João! Muitos quilómetros de alcatrão, sempre a descer, sem grande necessidade de pedalar!
O novo destino, Tui, estava a pouco quilómetros de distância.
Em Valença ainda tivemos tempo de dar uns dedos de conversa com os nossos concorrentes do dia anterior: os três espanhóis! Neste dia não estranhei nada que eles tivessem chegado primeiro do que nós!
Após as despedidas, lá fomos em direcção ao albergue de Tui, onde um duche quente e uma cama nos esperavam.
A nossa chegada ao albergue toma contornos de surreal!
Primeiro, ninguém sabia onde era, e depois quando descobrimos o local, apesar de aberto não se via vivalma. Um aviso com palavras em português dizia qualquer coisa que não entendemos, pelo que optámos pelo inglês.
Era um aviso com o horário e modo de funcionamento. Ligámos para o número indicado e esperámos por alguém que nos viesse acolher. Passados uns minutos, chega um espanhol que nos dá as boas vindas, carimba as nossas credenciais e nos mostra a casa.
Um peregrino já dormia. Quer dizer... Dormir dormia, mas peregrino??... Ficámos cheios de dúvidas. Mais dúvidas tivemos ao outro dia, quando começa a fazer “n” perguntas e a dar respostas contrárias. Ao João disse que ia para Santiago e a mim disse-me que ia para a Corunha. No entanto, todos os nossos receios eram infundados pois nunca mais o vimos.
Mudando de assunto, o Albergue tinha muito boas condições. Estava arranjadinho e asseado.
A primeira tarefa foi procurar o furo que ao longo do dia foi dando problemas. Remendada a câmara-de-ar, um chuveiro com água quente esperava por mim.
O jantar foi num restaurante indicado pelo tipo que nos acolheu no albergue e que supostamente tinha preços para peregrinos.
O cansaço do dia era cada vez mais evidente pelo que resolvemos regressar ao aconchego do albergue.
A noite foi passada um pouco em sobressalto motivado pela presença da “peregrino misterioso.”