quarta-feira, julho 19, 2006

CAPÍTULO VIII

O dia acordava soalheiro e quente! Parecia mesmo que S. Pedro tinha andado a brincar connosco nos últimos dois dias!

Os músculos tinham entrado em greve e parecia que doíam todos! É engraçado o nosso cérebro: até ao dia anterior as dores eram as “normais” do esforço ao qual não estávamos habituados, mas neste dia...

Depois de um pequeno almoço que me fez suspirar mais uma vez pelas pastelarias portuguesas, fomos, pois estávamos ainda em falta, cumprir os rituais do peregrino.

Para nosso desconsolo a Missa estava mesmo no fim, no entanto Tiago recebeu o meu agradecido abraço. Foi uma sensação muito boa... Apesar do guarda e dos magotes de pessoas que se atropelavam para não perder pitada.

Por coincidência, houve logo a seguir outra missa e por isso não podemos mandar a tolada na pedra e pôr a mão. Quer dizer, depois de “chorarmos” um bocadinho a menina lá nos deixou perante o olhar indignado e a voz esganiçada de uma colega!

Depois de cumprida a tradição e a devoção, era hora de resolver a viagem de volta.

Decidiu-se alugar um maquinão (um Opel Meriva) nos levou de regresso a casa!

Lá encaixamos as nossas bicicletas e os sacos e fizemo-nos á estrada.

Para trás ficavam Santiago de Compostela e 350 Km de aventura, cansaços, (des)ilusões, mas de muita, muita, alegria e sentimento de dever cumprido!

terça-feira, julho 04, 2006

Capítulo VII

Quando acordámos já poucas pessoas estavam no Albergue, vá-se lá saber porquê...
Mesmo assim, estávamos mortinhos para dar ao slide de lá!
O dia estava cinzento, mas nada de chuva. Menos mal!
Tomámos o pequeno almoço numa pastelaria simpática. E lá partimos para o último dia de viagem!

Cerca de 65 quilómetros, a maior etapa da aventura! Mas, pelo que sabíamos, o Caminho não era muito desnivelado.
A saída de Pontevedra foi complicada pois na praça principal deixámos de ver setas e as pessoas davam indicações contrárias... Por fim lá conseguimos entrar no Caminho.
Pedalávamos há pouco tempo quando S. Pedro voltou a fazer das suas.
E o pior é que ele nem se importou com isso! Resultado: cinquenta quilómetros debaixo de chuva!
Não estava muito vento, mas algo nos empurrou, pois a viagem até Caldas de Reis foi um instante! Foram vinte e três quilómetros em que voámos!
Mesmo assim, eu estava gelado, quando saí do Albergue ainda ponderei vestir as calças de ciclismo, mas, em má hora, acabei por desistir da ideia. Os calções molhados não são, definitivamente, algo confortável.
Quando parámos no Cartório Paroquial, a chuva caía abundantemente. O Pároco local foi de uma gentileza extrema! Deixou que três poças de água com pernas entrassem e descansassem um pouco debaixo do abrigo do seu tecto!
E ainda por cima, quando fomos ao quarto de banho deixámos um trilho de água, indicando que por lá tínhamos passado...
Entretanto a chuva acalmou um pouco. Carimbámos os passaportes e despedimo-nos do nosso novo amigo.
Subimos para as nossas montadas e partimos em direcção a Compostela.
A hora da larica estava a chegar e, pelo caminho, não víamos nada a não ser campos, chuva, muita chuva aliás, riachos, ribeiros e afins.
No fim de um trilho paralelo à 550, perto de Pádron, virámos á esquerda e uns duzentos metros á frente estava nosso o paraíso: um restaurante!
Envergonhados pelo nosso estado (se o corpo humano é constituído por 70% de água, naquele momento, asseguro, o nosso chegava muito perto dos 100%, tal era a molha), pedimos para entrar.
A menina que nos atendeu foi muito simpática, não se importando minimamente que três marmanjos inundassem o restaurante.
Para variar, umas bocattas! Mas souberam divinalmente! Ainda por cima quentinhas... Hummm... ainda estou a ver a nossa cara: Encharcados, cansados mas a saborear a refeição com um brilhozinho nos olhos!
A paragem fez bem a toda a gente, incluído S. Pedro! Depois de almoço a chuva acalmou!
Santiago estava perto, era hora de partir!
Esta última parte foi das mais duras, não física mas psicologicamente.
Muitas vezes nos fechámos em nós próprios...
Estávamos esgotados...
O que nos ia dando ânimo eram os marcos que nos diziam que faltavam cada menos quilómetros.
Quando apareciam subidas, já ninguém fazia esforço para pedalar por elas acima. Descia-mos das bicicletas e lá íamos a caminhar.
Parecíamos uns soldados que voltavam da guerra. As nossas pernas, fruto de quilómetros de mato a bater, estavam cheias de feridas, as roupas estavam encharcadas e sujas de lama, quer dizer, a lama era o factor comum nas roupas, bicicletas, alforges e em nós próprios!
Passávamos no Agro dos Monteiros, faltando uns 4 quilómetros, quando avistámos ao longe, aquilo que pareciam ser as torres da Catedral...
Estava quase!
O moral subia á medida que nos aproximávamos!
Porém quando chegámos à subida da Choupana fomos sentindo as forças esvaírem-se.
Aquilo parecia que não tinha fim!
Aos poucos, fomos reconhecendo a zona da Catedral.
Montámos as bicicletas e fizemos uma entrada “triunfal” na Praça do Obradoiro, onde se situa a Catedral.
Foi indescritível!
Um turbilhão de emoções passou por mim! Senti vontade de rir, chorar ou, simplesmente de ficar parado a olhar para a fachada a da Catedral!
Depois da fotografia da praxe, sentei-me no chão por minutos onde revivi em catadupa a viagem desde Ílhavo até Santiago.
Tínhamos conseguido!
Havia dúvidas? Claro que não!
A Catedral já tinha fechado, pelo que fomos tratar das nossas Compostelas! O documento que atesta que fizemos o Caminho de Santiago como peregrinos!
Depois, decidimos procurar alojamento.
Tínhamos o Albergue do Peregrino, mas depois do dia de hoje merecíamos descansar sem ter de ouvir o João a ressonar...
Nesse dia percebi o que S. José e Maria sentiram: Nas dez pensões ou hotéis em que entrámos, nenhuma tinha quartos ou só havia um...
Já desanimávamos, quando, por fim, arranjámos os dois quartitos que procurávamos. Caros (Q.B.) e sem pequeno almoço, mas já estávamos por tudo...
Arrumadas as bicicletas enlameadas, lá fomos para os quartos.
Das cores originais das nossas malas, só nos restava a lembrança, pois estavam castanhas de lama!
Mas a aventura não terminou! Depois do banho quentinho, quando pegámos nas nossas roupas, elas estavam encharcadas!
Ainda consegui enxugar uma T-shirt no sacador do hotel e vestir umas calças que com o calor do corpo foram secando, mas a Cris estava sem nada seco para vestir.
A tropa manda desenrascar, e neste caso a Cris teve de vestir a roupa molhada, pois tínhamos de sair para jantar e a fome começava a apertar.
Estávamos a caminho do restaurante quando apareceram os nossos companheiros de viagem: o Zé, a Susete e a Dora!
Foi (mais) uma alegria!
Como estávamos perto do hotel, perguntámos se não teriam uma roupita seca que pudessem emprestar... Enquanto eu, o João e a Susete fomos andando para o restaurante, os restantes foram tratar da roupa.
Passados uns minutos chega a Cris, vestida com roupa do Zé, cinquenta números acima!! Mas o mais importante é que agora estava sem frio!
O jantar foi divinal! Umas tapas (deliciosas), tortilha, salada, carne, sobremesa; tudo acompanhado com um Néctar de Baco fantástico!
Pelo meio do jantar recebi uma prenda! Um cão de louça. VERDADEIRO! Com aquele olhar! Para a caça não há melhor! Lá diz o Rouxinol Faduncho!
Para terminar um café (daquele espanhol... arghh) que tinha por muleta um bagacinho (Hummm...) e umas ginjinhas!!
Saímos de lá quase a cantar o fado, e não fosse o cansaço, que deu em preguiça, tínhamos virado umas queimadas!
O dia já ia muito longo, e depois das despedidas, lá fomos direitos ao Vale dos Lençóis.